Entre as décadas de 1960 e 1980, importantes estudos sobre drogas psicotrópicas foram conduzidos por Elisaldo Carlini, em parceria com o químico israelense Raphael Mechoulam — responsável por isolar alguns dos princípios ativos da maconha. Em 1973, Carlini publicou um estudo pioneiro sobre os efeitos anticonvulsivantes do canabidiol (CBD), atualmente utilizado no tratamento de epilepsias refratárias. Apesar da eficácia terapêutica comprovada, seu uso ainda enfrenta forte estigma. A atuação de Carlini foi essencial para a legalização do uso medicinal de canabinoides no Brasil, sendo reconhecida com a proposta de seu nome a um projeto de lei sobre o tema.
Carlini e Ribeiro do Valle sempre destacaram que, mais importante do que estudar os efeitos das drogas, é compreender quem as utiliza. Com esse olhar, nasceu o CEBRID, setor pioneiro na realização de levantamentos nacionais sobre o uso de substâncias psicoativas, fundamentais para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes. Complementando esses dados, pesquisas qualitativas aprofundaram a compreensão do contexto de uso. Ana Regina Noto, Solange Nappo e outros pesquisadores lideraram esses estudos, desmistificando a ideia de que métodos qualitativos não são rigorosos.
Nos anos 1980, Jandira Masur introduziu no Brasil as Intervenções Breves (IB), com base na terapia cognitivo-comportamental, voltadas a pessoas em fase inicial de problemas com drogas. Após sua morte, a equipe deu continuidade ao trabalho, demonstrando que três sessões de IB eram tão eficazes quanto 12 sessões de psicoterapia de grupo — uma abordagem mais viável para o SUS. Nos anos 2000, participamos de um projeto multicêntrico da OMS, desenvolvendo o instrumento ASSIST e testando sua aplicação em UBSs, com resultados promissores.
No início dos anos 2000, observamos o aumento do consumo de álcool com bebidas energéticas. Nossos estudos pioneiros mostraram que essa combinação potencializa o efeito estimulante do álcool e a probabilidade de sensibilização. Se esse fenômeno se confirmar em humanos, há risco de aumento no consumo e nos problemas associados, mesmo entre quem normalmente não se sente estimulado pelo álcool.
Esse sucesso levou, em 2005, ao convite da SENAD para coordenar um curso de capacitação em larga escala. Em parceria com outras instituições, criamos o curso SUPERA — Sistema para detecção do Uso abusivo e dependência de substâncias Psicoativas: Encaminhamento, intervenção breve, Reinserção social e Acompanhamento. O curso formou mais de 85 mil profissionais, atingindo 95% dos municípios brasileiros. Embora tenha perdido apoio da SENAD a partir de 2019, seus materiais seguem disponíveis gratuitamente.
Sob liderança de Ana Regina Noto, o projeto temático “Intervenções inovadoras frente a problemas relacionados ao consumo de álcool no Brasil” trouxe novas abordagens em prevenção e intervenção, incluindo capacitação de profissionais, intervenções comunitárias, mindfulness para prevenção de recaídas, e os projetos SHAHRP e FOCO, voltados à prevenção do uso de drogas entre estudantes — muitos deles em colaboração com instituições como UFSC, UFJF, Universidade de Miami, Curtin University (Austrália) e Washington University.
Além das abordagens psicossociais, seguimos investindo em estudos clínicos e pesquisa básica sobre os efeitos do uso crônico de substâncias, sob liderança de José Carlos Galduróz. Entre os avanços tecnológicos recentes, destaca-se o aplicativo TRIE-AD, que inclui um instrumento de triagem (DUDIT-E) e uma intervenção breve personalizada, voltado à triagem de adolescentes e jovens adultos. O projeto é conduzido por mim e Denise De Micheli, com parcerias nacionais e internacionais.
Esses são apenas alguns destaques de nossa trajetória. Seguimos firmes no compromisso com a ciência, a formação de profissionais e a construção de políticas públicas mais eficazes e humanas — sempre abertos a novas parcerias e colaborações.